"Uma noite tensa e calma,
É isso que posso dizer sobre a madrugada de 13 de novembro de 2011, dia da ocupação do Bope na Rocinha. Tensa pela possibilidade de um confronto armado entre policiais e bandidos, e calma por causa do silêncio, um silêncio que cala a alma. Era possível ouvir de longe vozes e gritos. Quem era? Do bem ou do mal? Não sabia. Somente se ouvia um silêncio, que logo foi partido pelo helicóptero da marinha.
Os rasantes, as idas e vindas do helicóptero, deixava-me cada vez mais apreensivo para o que aconteceria em seguida. Quando recebi a noticia do êxito da operação, saí de casa às 7h, com duas câmeras fotográficas, sentido uma grande esperança que tudo dera certo. No meio do caminho, encontrei um carro com quatro oficiais do Bope e um morador, todos eles parados em frente ao banco da Caixa.
Não pude perder a oportunidade, parei olhei para os olhos deles como quem diz, tenho que fotografar. Peguei do bolso a minha máquina pequena e fiz uma foto mais de registro do que artística, sem a preocupação com ângulo, luz e enquadramento. Eu tremendo, ainda sentindo o medo que todo morador de favela sente ao se deparar com policiais do Bope, fotografei. Não fizeram pose.
O oficial sentado na borda da caçamba da pick-up disse um tanto ironicamente: “você tirou a foto, agora abre a mochila”. De pronto retirei a câmera profissional que estava em seu interior. Sem me mostrar, ele pôs a mão dentro da minha bolsa e procurou alguma coisa que com certeza não sabia o que era. Perguntou de onde eu era, o que eu ia fazer com a foto. Eu disse com a voz tremula, que participava de um site comunitário e que a foto poderia ser publicada lá.
Então ele me liberou. Quando fui tentar tirar mais uma foto, desta vez, de frente para o carro, o homem que estava no carona me impediu, com uma ordem autoritária. Tirei-a mesmo assim. O resultado foi ruim, tremulo, assim como meu estado de espírito naquele momento. Ainda mais um último aviso dos oficiais: “Tá dominado”.
Esse relato, fiz poucos dias depois da ocupação e ainda com a visão de quem conhece somente o lado truculento do policial carioca. Ao caminhar pelas ruas da favela é comum ver viaturas paradas em pontos estratégicos e oficiais se locomovendo empunhado suas armas. O arsenal bélico somente mudou de punhos. As armas não me causam estranhamento. Elas estiveram sempre presentes, algumas vezes mais outras menos. É um conforto que ao menos não esteja nas mãos de alguém com atitudes inesperadas. Alguém que pode até matar a mãe para ter retorno financeiro em cima do seu negócio ilícito. Mas até quando vai ser comum que o policial haja de uma forma fora da favela e de outra dentro dela.
Fui informado de um caso sério de agressão a um morador que trabalha na cultura da Rocinha. Esse tipo de comportamento não pode ser tolerado, só porque antes não tínhamos leis dentro da comunidade. Se agora o Estado nos abraça, então deve mudar a forma de abordagem a quem é morador de favela. Devemos reivindicar o que foi garantido pela Carta de Direitos Humanos, somos iguais não somos? Então o tratamento deve ser igual. Anos e anos sem a presença da esfera pública dentro das comunidades, resultou numa população que mais do que tudo teve lutar pelos seus direitos. Agora é o momento mais propício para se mudar mentes corrompidas pelo sistema falho que presenciamos antes e teima em persistir agora.
Na Rocinha há um momento de tensão, mas não se deve desanimar para manter um Estado democrático dentro da favela. Todos estão cansados de ser obrigado a prestar contas a quem não protege a população, tanto do lado da lei como do lado contrário a ela. A resposta tem que ser um grito real de liberdade. Viva a democracia! "
Artigo escrito pelo morador, repórter comunitário e fotógrafo no site FavelaDaRocinha.com, Flavio Carvalho.
Assim como ele, você também não é um alvo!
Uma iniciativa Cidade Unida.
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