Quando mudar, me avisem e me incluamDavid Amen
A “inauguração” do teleférico no conjunto de favelas do Alemão foi sob uma garoa fina e congelante, e as pessoas, desde muito cedo, estavam exaltadas com a possibilidade da presidenta Dilma Rousseff circular por ruas da comunidade (o que não ocorreu). Sua função naquele dia cinzento era apenas uma: inaugurar três estações deste meio de transporte de massa mais comentado nos últimos tempos, até a lotação nos trens e metrôs da cidade foram deslembrados.
Daqui de baixo não é tão instigante ver seus cabos e gôndolas, indo e vindo, interferindo na paisagem, antes natural. Sua majestosa e elaborada construção em meio a aglomerado de tijolos impressiona-me de uma forma angustiante. Parece engolir tudo ao seu redor, sua magnitude se faz indiscutível. Contudo, todo romantismo criado a sua volta não convence tanto assim, afinal, daqui mesmo de onde estou, posso ver esgoto disputando espaço com escombros e resquícios de tetos demolidos. Muitos respigam palavras de desagrado, mas...
Por onde se passa é possível se deparar com algum fiapo de sua presença, entre becos estreitos e céus minúsculos você está lá, é só inclinar a cabeça uns 45 graus que fica fácil. Daqui de baixo a visão não é nem parecida com a que se tem lá do alto, incrível. Meu vizinho, com uma amargura fixa na fala, vive reclamando de infiltrações no seu quarto e da quantidade de ratos que o visitam toda noite. Segundo ele, vem do terreno de uma residência que existia ali, onde hoje só sobrou o lixo.
Penso aqui com meus botões se, lá de cima, estão visíveis algumas realidades que, realmente, afetam o cotidiano de algumas pessoas, cidadãs, moradoras de áreas pouco interferidas com tal projeto. Do chão, andamos e presenciamos fatos relevantes que mereciam (merecem) uma atenção mais dedicada, atenção à população local, aquela que vive, que sente na pele cada açoite na vida de favelado e que, por tudo isto, sabe bem o que é demanda de verdade.
“Olá! Aqui embaixo mora gente, ainda temos problemas.” Deu vontade de gritar assim, mas quem me ouviria? Os holofotes e microfones davam o embelezamento certo, até alguns daqueles que acreditei estar do lado oposto ao discurso midiático e publicitário dominantes. Mas quem não queria uma foto da presidenta entrando e/ou saindo de uma das 152 cabines? Só não sei se tinham mais dez pessoas com ela, lotação máxima, isso eu não sei mesmo.
Especula-se sobre uma diversidade de benefícios a partir desta inauguração. Ficarei aqui no meu cantinho aguardando isso acontecer. Não sei se terei coragem para enfrentar aquela altura toda, até porque não moro mais nas proximidades de nenhuma estação. Queria mesmo era ter um parque com muitas espécies de árvores purificando o ar em minhas caminhadas diurnas, iniciativas sociais para nós, um transporte público que realmente atendesse a toda população daqui do morro, queria mesmo era ser visto como cidadão num ambiente saudável para os meus últimos anos de convivência, aqui, na minha cadeira de balanço.
Fonte: 100% retirado do PORTAL IBASE
Crônica feita por David Amem, um amigo que é um dos pioneiros a desenvolver trabalhos socioculturais no Complexo do Alemão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário