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Raull Santiago - Descolando Ideias |
Neste
domingo (11/03) dois fatos interessantes me chamaram a atenção e me inspiraram
a escrever o texto a seguir, consiste em vivência, observação e reflexões
feitas por mim.
A pedido e indicado pelo amigo jornalista Camilo Coelho,
neste domingo estive a frente de um passeio com um grupo de 8 pessoas, onde na
contagem estavam inclusos o próprio Camilo e sua esposa, dois paulistas, dois cariocas e dois
ingleses.
Dias atrás fui contatado pelo Camilo que me
informou sobre um grupo que estava interessado em conhecer e ouvir um pouco da
história do Alemão, que estava me indicando para acompanhá-los durante o
passeio e se eu poderia estar presente em certa data, rapidamente me disponibilizei
para ajudá-lo e no dia marcado fui ao encontro da galera para começar a
jornada, falar um pouco do lugar onde nasci e cresci, de como era no passado,
como tem melhorado e o tanto de coisas que ainda precisa avançar.
O ponto de encontro
foi a estação de teleférico do morro do Adeus, a primeira estação “favela”
saindo de Bonsucesso, que é um dos belos pontos de observação do Rio de Janeiro
que temos aqui no Complexo do Alemão, e foi no morro do Adeus, enquanto aguardava
a chegada do pessoal, que um dos momentos que me fez escreve o texto aconteceu,
mas, ainda não é o momento de falar sobre isso.
Encontrei o pessoal por volta das 13h, embarcamos no
teleférico e enquanto éramos transportados suavemente de estação para estação
observando o acumulo de construções, uma por cima da outra que desafiam
qualquer arquiteto e a dimensão, grandeza e vida em cada canto da minha linda e
querida favela, eu apontava pontos interessantes e contava algumas histórias
boas e outras nem tanto para os presentes, claro, sem muita pressa, para que os
amigos paulistas e cariocas pudessem traduzir aos ingleses presentes cada
palavra que eu dizia. “Espero em breve eu mesmo poder traduzir, RS”.
Chegamos a estação Palmeiras, última estação na Favela e
como ouvimos a toda hora pelo sistema de comunicação aos usuários do teleférico: "estação de
desembarque obrigatório", descemos do transporte e nos arredores da estação
contei que onde estávamos desembarcando, foi a estação em que no dia anterior o
Príncipe Harry esteve enquanto visitava o Alemão.
Como já havia sido
informado por uma das visitantes de que eles desde cedo estavam conhecendo o RJ
e também outras favelas, ali mesmo, nas Palmeiras, lembrei que existe um lugar
ótimo para se fazer um lanche e relaxar, a lanchonete da minha amiga Camila,
por ali ficamos um tempo, conversamos sobre a realidade do Complexo do Alemão,
de favelas, de como por muitas vezes as grandes mídias só mostram as favelas e
momentos ruins e os amigos ingleses, falaram que outros países também mostram o
Brasil de forma de negativa, mas que eles estavam adorando e que o sonho de
pessoas por todo o planeta é conhecer o Brasil, disse também que vir ao Rio e
não visitar alguma favela então não conheceu o Rio de Janeiro, que na favela
foram bem recebidos e gostaram da simplicidade e alegria que viam pelas ruas...
Ponto de vista interessante que muitos cariocas precisavam ter também, enfim...

Das Palmeiras, me informaram que já haviam ouvido falar da
Nova Brasília, do cinema que havia lá e também algo sobre alguma Praça do
Conhecimento, confirmei a existência de ambos e ofereci duas opções, descermos
e irmos a pé para a Brasília, ou, já que se dispuseram a vir a favela, conhecer
um dos nossos meio de transporte mais utilizados, o moto taxi, nossa, todos
aceitaram na hora, assim que as motos chegaram foi uma alegria, ao chegarmos na
praça do conhecimento, estavam eufóricos falando de como os caras “moto
taxistas” são legais e loucos, rs, e de como foi incrível andar de moto pelas
vielas “há rampas em becos que encurtam certos percursos”. Falei um pouco sobre
o lugar, sobre a praça do conhecimento e seu grande administrador, o querido
amigo Nailton, e por fim fomos ao cine carioca, o cinema que tem aqui dentro do
Alemão, onde apesar de uma sessão estar acontecendo no momento em que ali
estávamos, a gerente nos deixou entrar e até dar uma espiadela na sala onde
rolava o filme.
E foi ali na Nova Brasília onde encerramos o passeio, os
acompanhei até a entrada da favela, onde pegaram um taxi e seguiram seu
destino.
Voltando ao
início do texto, o que me ocorreu no Adeus foi o seguinte...
Enquanto
aguardava a galera chegar, fiquei sentando lendo um livro próximo a uma das
entradas do teleférico, quando derrepente um menino veio até mim e puxou
assunto, Anderson seu nome, 14 anos de idade, papo vai papo vem, vi que era um
menino bem comunicativo, inteligente e fiquei um pouco curioso, quis conhecê-lo
mais, reparei também que carregava um balde vazio em uma das mãos.
Ele me informou que morava ali no Adeus desde
que nasceu, que morava com os tios, juntos com seus 2 irmãos e primos,
perguntei sobre os pais, ele, esperto como só, não quis falar, desconversou e eu
não insisti. Meu celular tocou, atendi e ao desligar ele pediu para ver o meu
celular, eu o entreguei e vi que ele observou detalhadamente com grande
curiosidade, perguntei, você tem celular?
Ele
respondeu: - Não. Sempre quis ter um!
Fiz mais
algumas perguntas, descobri que ele estuda e está na terceira série, que sonha
em ser jogador de futebol, mas que se não der certo a carreira de jogador, que
entrar para as forças armadas, que na casa onde vive nem todos trabalham. Que
vivem com o básico e que estuda para ter futuro e poder ajudar a tia que o
cria. Que ouvia os tiros do passado quando o Alemão e o Adeus estavam sobre o
domínio de traficantes de facções rivais. Que nunca se envolveu com o tráfico,
mas que gostava de armas. Se emocionou também ao dizer que tinha um irmão que
morreu com pouco mais de 2 anos de idade por motivo de doença no coração alguns
meses atrás.
Falei sobre o
teleférico e sobre as mudanças que o Alemão estava vivendo, ele, esperto, falou
que já andou de teleférico algumas vezes, que vê os turistas, que ajuda os
trabalhadores das obras, que joga bola com os militares da pacificação, mas que
apesar de tudo, ninguém ajudou a ele e sua família, que de uma das janelas da
casa eles vêem a estação da qual são vizinhas, que a tia diz: 'tão perto e tão
longe", mas que ele não entende o que ela quer dizer com isso, por fim, um dos
homens que estava no campo, trabalhando nas obras da cede da UPP Adeus o chamou
e lá foi o menino correndo com seu balde na mão.
Foto dele não
fiz, não achei necessário, peguei seus contatos e falei que sou seu amigo e que
iremos nos ver mais vezes.
Com os
turistas fiquei por cerca de duas horas, vi como para a nossa favela o
teleférico monumental e queridinho do governo tem sido interessante na questão do fluxo de pessoas
curiosas em conhecer nossa favela, expliquei que só vir pelo alto de teleférico
não é interessante e que lá de cima não é possível ver e sentir o que realmente
é a favela, e eles curtiram bastante o role a pé e de moto que também
realizamos.
Com o menino
que mora em uma casinha próximo a estação do morro do Adeus, mais uma vez vi o
quanto é grandioso o abismo social existente aqui no Adeus, no Alemão, no Rio
de Janeiro, Brasil, Mundo...
Acredito que
isso um dia irá mudar que o interesse pessoal não será colocado acima do
coletivo, que as pessoas irão se unir por solidariedade, desejo de unir e
coletivar, precisamos nos ajudar, precisamos observar para onde estamos
caminhando, precisamos participar da política pública, cobrar direitos, fazer
nosso futuro!
Eu vou tentar
descolar essa ideia, continuar estudando e ajudando pessoas através deste grupo
do qual faço parte e cresço um ano por dia!
E quanto ao balde:
... o menino havia desenrolado
um pouquinho de cimento para concluir alguma coisa em sua casa, e um dos
trabalhadores solidários no momento em que o chamou fazendo um sinal positivo,
autorizava o menino com seu balde a levar um pouco de cimento para as
necessidades em seu lar.